sábado, 24 de junho de 2023

Um melhoramento no chafariz de S. Domingos

Esta publicação é uma sobrevivente de um blog que perdi e que chegou a obter alguma fama internáutica por quem se interessa por este tema (o que dele resta hoje são meia dúzia de textos, acompanhados - mas nem sempre - por alguma imagem; utilizados por outros). A publicação original foi feita em 2010 e revista em 2018. No caso trata-se de uma notícia breve que recuperei do O Commercio do Porto de 10 de abril de 1870, com uma informação que, não sendo relevante, é interessante para a história de uma fonte cuja existência rondou os 8o anos.


Diz a notícia:

«Acham-se terminadas as obras de melhoramentos na fonte do largo de S. Domingos mandadas fazer pela Exma. Câmara.

Estas obras consistiram em adaptar aquela fonte a um novo sistema, em virtude do qual a água, em vez de correr permanentemente, como até agora, está represada, fazendo-se a extração dela, quando é precisa, por meio de umas válvulas que se abrem puxando uns botões de metal amarelo, colocados um pouco abaixo das bicas e fora dos tanques. Para este fim foi substituído o antigo tanque, que tomava toda a largura da fonte, isto é, as duas bicas, por dous pequenos, em arco de circulo, aos cantos, por baixo de cada uma das bicas. Estas não estão completamente estanques, deitam, porém, apenas a porção de água necessária para encher os pequenos tanques, a fim de servir quando seja necessária para os incêndios ou outro qualquer uso não proibido pelas respetivas posturas.

É a primeira fonte deste género no Porto e constitui de certo um melhoramento de grande vantagem para o abastecimento regular de um dos elementos mais indispensáveis à vida. A transformação das fontes da cidade segundo o novo sistema parece ser o que asseguraria uma regularidade a todos os habitantes. Com efeito é como tentativa para esse fim, segundo nos informam, que a Exma. Câmara mandou proceder à inovação que noticiamos. Oxalá que esta produza os resultados que se tiveram em vista, e os quais se tornem a mais persuasiva prova da vantagem de a adaptar geralmente.

Como tudo que tem o sabor da novidade atrai os curiosos, a fonte de que nos ocupamos, com as alterações que se fizeram, tem sido o ponto de reunião de um não pequeno número deles, a verem como funciona o novo sistema. Os aguadeiros é que, totalmente alheios à combinação dele, dão ao demo a engenhoca, atribuindo aos defeitos do sistema o que apenas é efeito do desajeitado modo de se servirem dele».


Na foto ao lado, retirada da obra Contributos para a Higiene do Porto, de 1908, a entrada para a arca de água desta fonte estava situada atrás do rapaz em pé, no centro. Como é de conhecimento geral, ela esteve embutida no edifício hoje ocupado pelo hotel A.S. 1829, mais precisamente na montra com moldura trabalhada em cantaria, aliás, adorno da própria fonte. Dela resta, pelo menos, o brasão da cidade, colocado à entrada dos Jardins de Nova Cintra.

Um curioso apontamento colhe-se na obra referida na legenda da imagem. Com efeito, o cano para esta fonte «marcha na rua das Flores e no lado poente da rua de S. Domingos até atingir uma pequena pia de pedra da qual a água caí para um grande reservatório também de pedra, que alimenta as duas bicas (...) uma das mais caras e elegantes da cidade; notamos-lhe de particular também a existência de dous puxadores semelhantes aos de certas campainhas de portais (...) e destinados a levantar uma válvula obturadora do orifício posterior da bica e a evitar que na estiagem a água corra constantemente»; ou seja, a modernização que a notícia do jornal refere.


Por curiosidade, aqui aproveito para lançar a transcrição de um documento do arquivo camarário portuense, que encontrei mais recentemente num volume de documentação avulsa, que embora anterior a este melhoramento/experiência no chafariz de S. Domingos - é de 9 de junho de 1864 - em tudo se relaciona e quem sabe serão mesmo um consequência do outro. Trata-se de um parecer da junta de obras da câmara, em resposta à proposta do vereador encarregue deste pelouro (e respetivo pedido de informação do presidente).

A proposta incidia em colocar «depósitos parciais junto das fontes públicas, para abastecimento e suprimento de águas ao uso do público, e a alteração no sistema de bicas, substituindo estas pelas torneiras de válvula». Ao que os técnicos da câmara informara: «a junta tendo procedido ao devido exame nas ditas fontes, para poder satisfazer como lhe cumpre, tem a expor a V. Exa., que pelo estado em que se encontram as referidas fontes e seu encanamento, concluiu, que uma grande parte das mesmas, não se acham nas condições necessárias para permitir a colocação dos referidos depósitos parciais, pela falta de terreno que os comporte, nem a mudança das bicas atuais pelas ditas torneiras, pelo mau estado dos encanamentos em geral, tornando-se portanto preciso fazer uma avultada despesa para efetuar semelhantes melhoramentos, sendo contudo as fontes de S. Domingos, a das Taipas, a da rua Firmeza, a da praça do Bolhão, a da rua de Cedofeita, e a da rua da Alegria, aquelas que mais facilmente se prestam a receber semelhantes mudanças, sem que ainda assim prescindam de uma despesa necessária da quantia de 450$000 rs. para cada uma destas, a fim de ficarem nas condições exigidas, não deixando estas obras que a junta propõe a respeito das últimas fontes indicadas, de serem subordinadas a todo e qualquer melhoramento em geral, que V. Ex.ª mande adotar para abastecimento e boa distribuição das águas nesta cidade».

Este documento, aqui exposto na sua parte mais informativa, é assinado pelos técnicos Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa, José Luís Nogueira e Pedro de Oliveira. terá sido este o mote para o arranque da experiência, seis anos depois?

Viriato

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