sexta-feira, 7 de julho de 2023

Do Museu Municipal do Porto

Na atualidade, a cidade do Porto conta com um conceito virtual denominado Museu da Cidade, que é na verdade um conjunto de núcleos museológicos (as denominadas estações). No entanto, um museu que num mesmo local conte a história da cidade de uma forma metódica, cronológica, com exemplares arquelógicos e documentais, esse não existe. Isto não significa que os vários núcleos hoje existentes não mereçam ser visitados; certamente que sim, e alguns demoradamente. A designação atribuída ao conceito é que me parece algo abusiva.


Mas se o Porto não tem UM museu da cidade, na verdade já o teve. Museu que, com várias peripécias, acabou extinto e o seu núcleo anexado pelo Soares dos Reis, originalmente mais pobre do que ele! E embora este museu não se dedicasse à história da cidade em exclusivo (longe disso!), teria sido um pilar dificil de derruir para um grandioso museu a instalar em edifício condigno, onde, aí sim, se puderia seccionar por temas, épocas, ou subdivisões que se revelassem pertinentes. Mas em 1940 não se pensou assim...


Abaixo poderá o leitor desfrutar de um texto extraído do relatório camarário publicado em 1880, referente a este museu; um dos embriões do Soares dos Reis. Foi escrito por Eduardo Allen, filho do fundador. O museu - o recheio, não o edifício - era propriedade municipal desde 1850.


« ... [O museu] continua a ser frequentado por artistas e amadores particulares que ali concorrem nos dias de semana a aproveitar a faculdade concedida de copiarem os quadros da galeria; sendo desta vez os magníficos floreiros do pintor flamengo Daniel Seghers, os que mereceram a honra de ter o maior número de copistas, principalmente pelo que toca a alguns grupos de suas admiráveis grinaldas, tão cheias de verdade, naturalidade e graça, e cujas tintas eram de tão boa tempera química que, apesar de decorridos duzentos e cinquenta anos depois que foram aplicadas na madeira, ainda hoje conservam todo o seu brilho e viçosa frescura.


Também não deixaram de continuar um só dia, um só instante, os indispensáveis e multíplices cuidados de conservação dos objetos que compõem o museu, a fim de neutralizar e impedir quanto possível os efeitos perniciosos resultantes das menos adequadas condições do edifício, principalmente nos meses de maior humidade, ou também naqueles em que os continuados ventos lestes levantam em uma rua macadamizada e tão frequentada por veículos como é a da Restauração, nuvens de poeira que se insinua nas salas do museu pelas fendas e interstícios das claraboias e ventiladores.


O envernizamento e restauração dos quadros da galeria não pode ser tão rápido nem estender-se a tanta pinturas como era desejável, sendo que ainda muitas carecem dessas operações (ou pelo menos da primeira), - por isso que o habilíssimo artista especialista Moura sempre se acha ocupadíssimo com obra, em razão do número sempre crescente de possuidores de quadros que o procuram a fim de aproveitar-se da sua rra perícia.


Em setembro próximo passado recebeu a Exma. Câmara proposta de um estabelecimento fotográfico desta cidade, para a cópia dos mais importantes quadros da sua galeria, e daquelas curiosidades históricas, arqueológicas, artísticas ou cientificas que merecessem a pena de ser reproduzidas por aquela arte. Alguns ensaios se têm feito, que deram bom resultado (...). Com as pinturas têm-se já ensaiado algumas cópias, sendo grandes e gravíssimas as dificuldades neste género, em razão da diversidade do efeito químico de cada cor, e por outras causas (...), mas espera-se vencer todas essas dificuldades, e em tempo competente informarei do resultado a Exma. Câmara: e tenho-os muito a peito, não só porque essas fotografias poderão dar lugar a mais seguramente se fazerem as atribuições dos respetivos originais aos diversos pintores e escolas a que pertencem, mas também hão de contribuir para tornar conhecidos entre os estrangeiros os nossos bons pintores nacionais, difundindo-se lá por fora as cópias dos seus quadros que o museu possui.»

Viriato


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FONTE: Relatório da Gerência da Câmara Municipal do Porto no Biénio de 1878, 1879.

NOTA: para um bom trabalho sobre a história deste museu, recomendo a leitura da dissertação de António Manuel Passos Almeida, intitulada Museu Municipal do Porto: das Origens à sua Extinção.

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