Neste domingo e dado que a tarde vai morrendo, convido-o a ler uma pequena publicação invocando um conhecido topónimo citadino portuense, um dos poucos que sobreviveu aos sucessivos tufões toponímicos que varreram do mapa tantas outras seculares e enraizadas denominações.
Em busca de informação nos arquivos sobre determinado assunto, sempre nos podemos deparar com documentos igualmente interessantes, relacionados com outros temas. Foi o caso, quando me cruzei com um traslado do século XVIII de um diploma mais antigo que refere o microtopónimo Moinho do Vento no Porto, nome de um largo ainda hoje existente bem como a uma rua agora conhecida pelo nome de um músico (o moinho, esse, há muito desapareceu).
A referência a ele mais frequentemente citada encontra-se num documento de 1647, que refere a existência de uma estalagem nos Ferradores, que «partiam de um lado com terreiro e ermida da Graça, e da outra banda com o caminho do moinho de vento». Mas esta não pode ser, de todo, a referência mais antiga. Com efeito, nas atas das vereações de 1548, um século anterior, portanto, à que vimos atrás, é referida a «estrada e caminho que fica para Vila do Conde e Barcelos e outras partes além do moinho do vento». E certamente várias outras existirão, aguardando apenas quem nelas tropece.
Aquela com que me deparei, encontra-se num livro do cartório do convento dominicano do Porto. Tratam-se, na verdade, de dois documentos: o primeiro é o inventário dos bens de Pantaleão Brás, de março de 1592. Este senhor havia deixado à viúva «uma morada de casas de um sobrado em que o defunto morava, que são de prazo fateusim de Filipe da Silva, cidadão desta cidade (...), com seu quintal tapado de parede, e um alpendre no quintal, que parte da banda do norte com casas de Jorge Vieira, e do sul o quintal que parte com o rossio de Nossa Senhora da Graça, e por detrás e por diante com caminho». Com ele relacionado, um outro documento, de 1617, refere: «umas casas em que eles viveram [a viúva de Pantaleão Brás e o dito] na rua do Moinho de Vento além da Nossa Senhora da Graça arrabalde desta cidade». Era a casa em que vivia o atrás citado Jorge Vieira, ferrador, que entretanto fizera umas novas casas «para a parte da cidade», adjacentes a estas. Assim se pode constatar que, à partida, a referência que ora publico não será a mais antiga. Ela é, contudo, de todas elas a mais completa e demonstrativa do aspeto do local do final do século XVI, início do seguinte; obviamente muito incompleto e parcelar, como de resto a história geralmente se apresenta.
Porque a história não necessita de ser uma disciplina seca, não consigo deixar de imaginar o sr. Jorge Vieira, trabalhando de sol a sol debaixo do seu alpendre, ferrando os solípedes dos almocreves que transitavam entre o Porto e os seus arrabaldes e cidades vizinhas do norte litoral, que por aquele local forçosamente passariam; ótima localização para o seu negócio. Finalizo com algumas ligações para o que julgo serem as mais antigas plantas existentes da localidade - aqui e aqui - e uma outra, décadas mais recente, que nos revela aquele largo com algum pormenor (aqui).
Uma outra ligação, extra tópico mas muito interessante, para o Museu da Memória Rural, onde podemos aprender, sem sair do conforto do nosso lar, como funciona um moinho de vento e quais as diversas partes que o constituem!
Viriato
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FONTES: Vereações na Câmara do Porto no ano de 1548, dissertação de mestrado de Emília Albertina Sá Pereira de Vasconcelos (2001, FLUP); Prontuário de Toponímia Portuense (vol. 2), de Manuel do Carmo Ferreira (2016, Ed. Afrontamento); Resumo das coleções quarta, e quinta parte, volume do antigo cartório dominicano à guarda do Arquivo Distrital do Porto.
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