sexta-feira, 18 de agosto de 2023

O obelisco de Pampelido

O texto que abaixo se pode ler, surge transcrito da obra Monographia do Concelho de Bouças, da autoria do dr. Godinho de Faria, publicada em 1899. Será o primeiro de vários que pretendem divulgar e colocar ao rápido alcance dos interessados, textos quer desta obra quer de outras obras; ou mesmo de textos publicados em periódicos e há muito esquecidos.


Sigamos o texto:

«Freguesia de terreno em geral granítico é bem cultivada, e cortada de bons caminhos e estradas, e com ambição de progresso. Envaidece-se ao falar na memória de Pampelido, construída à beira-mar, junto mesmo à linha de demarcação entre esta freguesia [Perafita] e a sua vizinha Lavra, a qual tem também quem dispute as honras de possuidora da elevada coluna comemorativa do desembarque dos 7500 bravos em 8 de julho de 1832, vindos da ilha Terceira em direção ao Porto, nessa ocasião cercado pelas tropas realistas afeiçoadas ao seu irmão D. Miguel. Não foi, pois, na praia do Mindelo, mas na de Perafita, antes que de Lavra, na Arenosa ou Arnosa e Pampelido, que de D. Pedro IV realizou o desembarque. Quem saltou em terra, na praia do Mindelo, foi o valente Sá da Bandeira, na véspera daquele dia.

base do obelisco, numa imagem do início do século XX (?)

Junto mesmo à Memória (nome pelo qual vulgarmente entre nós se designa) o mar tem uma área - o varadouro de Arenosa ou Arnosa de Pampelido - em que é bastante profundo, até mesmo à praia, onde as ondas amortecem, condições provavelmente conhecidas do tenente de engenharia, Mouzinho de Albuquerque, incumbido da escolha do lugar, como excelentes para um desembarque fácil e sem perigos. A memória que vamos descrever, se é um padrão de glória para nós por marcar a entrada da liberdade em Portugal, de cuja porta, digamos assim, possui a Câmara de Bouças a dourada chavinha numa sala do edifício dos Paços do Concelho, é no modo como se tem atendido à sua conservação um marco de vergonha de que a municipalidade bouçana pouca culpa tem. O tempo e a ação da salsa água do mar têm desbetumado e descimentado algumas pedras da coluna, sobretudo na base, e enferrujado as grades de ferro que a circuitavam, completando-lhe a destruição, o vandalismo e a malvadez da rapaziada. Votou a câmara, há 2 ou 3 anos, duzentos e tanto mil reis para acudir ao descalabro daquela obra, visto que o governo, não obstante tê-la considerado monumento nacional, não volvia a sua atenção para ela. Não há pontos de admiração que cheguem para pospor à apreciação que a respeitável comissão distrital fez do orçamento. Não foi aprovada esta verba orçamentaria por não se casar bem com o código administrativo! Ora um país que não obsta à ruína de um monumento, nem consente que a evitem, é evidentemente um país de... gente que carece de tutela. Mas, como é que a comissão distrital entende que é uma ilegalidade, até de manchar o santuário das leis, aquela proposta aplicação do dinheiro bouçano e em 13-10-69 o governador civil havia ordenado (sic) à municipalidade que mandasse pintar as grades?! Variações da legislação. A câmara de Bouças só teve a culpa de não mandar reparar aquela obra de pouco dispêndio por aquele sistema muito usado pelos governos - uma transferência de verba, uma apelidação diferente de despesa: era um ato honesto, uma abençoada ilegalidade, um protesto tácito contra as péssimas normas da nossa administração superior, uma ação enfim, que só não receberia encómios de alguma alma cheia de suscetibilidades por fora, mas sôfrega de imoralidades interiormente. O governo contentou-se em encaixar, a «Memória de Pampelido» no grupo dos monumentos nacionais, e, como lhe designou a 5ª classe que espere a sua vez, e, se quando lhe chegar, já não existir, tanto melhor, passa-se adiante e trauteia-se uma canção.


Começada esta obra em 1840 a esforços do administrador geral do distrito do Porto - António J. de Ávila, ao depois duque de Ávila e Bolama - foi continuado até meio, para depois de longo abandono prosseguir lentamente até 1864, ano em que se concluiu! Vinte e quatro anos desde a fundação até à conclusão, para depois se abandonar completamente à ação daninha do tempo e do homem! O monumento é de granito, sendo de mármore o busto de D. Pedro e as lápides onde foram lavradas as inscrições.»


Termina aqui a transcrição deste pequeno texto, com a promessa, aliás já deixada acima, que mais textos deste livrinho poderão vir a ser transcritos depois.

Viriato

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