Conhecido de todos os portuenses que amam a história da sua cidade, o desastre do vapor Porto é talvez a segunda maior tragédia nela ocorrida, logo a seguir à da Ponte das Barcas(1). Este vapor desfez-se completamente ao entrar na barra do Douro no ano de 1852, com a perda da quase totalidade das almas que seguiam a bordo.
No entanto, já em 1845, o mesmo navio fora protagonista de um episódio bastante terrível, onde esteve na eminência de se perder. Contudo não foi na entrada da barra do Douro mas sim da do Tejo, o outro extremo da sua carreira regular. Vejamos o que uma breve notícia publicada no O Periódico dos Pobres no Porto de 13-11-1845 nos conta, seguido de uma carta de uns dos seus passageiros a um amigo, onde este relata momentos tenebrosos. Momentos eventualmente iguais aos de 1852, do qual ninguém sobreviveu que os relatasse.
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«O vapor Porto depois de uma viagem tormentosa em que veio sempre aberto de mar e tendo levado muitas horas para andar apenas 3 milhas na altura do Cabo da Roca, esteve perdido sem esperança alguma de salvação, ao entrar a barra do Tejo: se não fora um tufão de vento que o arremessou para fora dos cachopos, não havia já salvação, perdidos dous ferros, duas velas, uma amarra, e um cadeado, e não dando pelo leme. O capitão aproveitou este arrojo de temporal que lhe foi favorável para mandar dar toda a força à máquina e conseguisse metê-lo dentro do Tejo. O barco precisa de bastantes reparos. E avalia-se em 600$ reis as perdas que sofreu, além da avaria da carga. Queixam-se de que a administração fizesse sair o vapor da barra do Porto, ameaçando o tempo mudança e prognosticando os pilotos da Foz próximo temporal.»
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Veja-se agora a carta particular publicada no mesmo jornal:
«Pego imediatamente na pena para dar parte a V. Exa da minha feliz chegada, depois da minha infeliz e fatal viagem.
Não posso descrever-lhe os sustos e perigos contínuos em que sempre íamos, porque nem há palavras que o digam, nem o curto espaço de uma carta eram bastante para dize-los; com tudo para que V…. saiba que é um homem ressuscitado que lhe escreve, sempre lhe direi em resumo, que tivemos uma viagem de 48 horas debaixo de céu escuro e temeroso, por cima de um mar de serras e profundos abismos de água, e açoitados por um sudoeste e aguaceiros que em cada minuto nos davam mil mortes.
O barco rangia todo e parecia querer desconjuntar-se a cada golpe de mar que lhe batia; a máquina, com uma das rodas quase sempre debaixo de água, e com a outra trabalhando em seco, não só nos não deixava navegar com a força inteira, senão que os vagalhões á proa mais nos retardavam o termo da nossa infeliz viagem.
Depois de tão calamitoso acontecimento, já V…. vê quão pouco venceríamos naquela noite de 4ª feira, porque na madrugada de 5ª apenas teríamos vencido um 3º da viagem. Porém, se a noite de saída nos foi tão trabalhosa, quanto e quanto mais não foi de assustar, todo o dia imediato, e a noite e manha de 6ª feira!! – chegamos na 5ª feira pelas 8 horas da noite ao Cabo da Roca, e quando eram 6 da manhã seguinte ainda estávamos no mesmíssimo ponto, sem ter avançado uma polegada.
Finalmente viemos á barra pelas 11 da manhã do dia 7, e depois de ter entrado pela do norte, muito junto da Torre de S. Julião, veio um aguaceiro tão forte com tufões de vento, cerração, trovões e grande mar pela proa, que a nossa perda tornou-se inevitável sem esperança de salvação. O barco não deu mais por leme nem a máquina o movia, só o mar o levava para trás como à matroca, acima de uns cachopos que lhe ficavam na popa, onde o mar se quebrava em serra de água; ao lado, uma grande laje que nasce da Torre e entra muitas braças pelo mar dentro.
Neste estado aterrador já as caixas das rodas estavam quebradas pelo mar, e os varões de bronze da escada vergados sobre a borda, como rolos de cera. Pintar-lhe o meu estado e o de todos os os passageiros não posso; soube-o sentir, mas não dizê-lo.
O barco, tendo-lhe caído a carga a um lado já tinha um bordo e uma roda debaixo de água, e neste último desamparo de todo o socorro, ainda veio um golpe de mar quebrar um bocado da popa justamente por trás do beliche de L… que caiu para o meio da câmara com um neto nos braços, toda alagada em água e dando um grito de terror, como quem se julgava submergida. – Nisto manda o capitão lançar dous ferros à proa, mas isto que ainda nos daria dous minutos de vida, enquanto o mar não nos submergia, ia sendo a nossa perdição imediata, porque os ferros puxaram tanto pelo navio que logo abriu uma grande brecha ao lume d’agua, por onde nos íamos alagar e todos ao fundo sem remédio.
Neste lance, imagine V… como eu teria o meu espírito, vendo-me ali acabar com minha mulher, meus filhos, e meu neto!!! Todos fazíamos atos de contrição, e pedíamos salvação para as nossas almas, que para o corpo ninguém contava com ela. Como os ferros fizeram abrir o navio, picaram-se logo as amarras, foi tudo dar à bomba, e ficamos a Deus misericórdia, para ali terminarmos nossos dias. Porém, quis Deus acudir-nos neste perigo extremo, logo que o navio ficou solto dos ferros, um grande mar do lado que estava deitado o levantou, e como assim desgovernado tinha posto a proa à barra do sul, e ficou um pouco mais desafrontado: o Figueiras gritou – toda a força na máquina -, e o vapor começou a navegar, posto que lentamente, pela barra do sul, e nos salvamos. – é um homem ressuscitado que lhe escreve, e que ainda se lembra da promessa que fez de ir a A. quando vivia da outra vez».
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Dias depois o armador vinha repor a verdade quanto à acusação que lhe fora imputada, de autorizar o navio a sair da barra quando se prenunciava mau tempo, onde informava: «tendo alguém tratado de acusar a Administração dos Vapores por mandar sair o Porto quando os pilotos da barra prognosticavam temporal, podemos afirmar que vimos cartas do piloto da barra que autorizavam a dita saída.»
Apesar dos eventuais grandes estragos provocados no navio, poucos dias depois, o mesmo jornal publicava o anúncio da sua saída de Lisboa, em mais uma viagem regular; tendo o incidente sido ultrapassado de forma mais rápida do que se nos aparenta, a julgar pelo que atrás ficou descrito. Sete anos depois, o mar não seria tão clemente com este navio, fazendo-o soçobrar à entrada da barra do Douro, com desfecho trágico que todos conhecemos.
Viriato
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1. Aqui o autor do blog que usou a minha publicação (ver abaixo) fez um justo reparo: o incêndio do teatro Baquet, que provocou mais de 100 vítimas.
NOTA: Esta publicação pertence ao grupo dos salvados de um anterior blog de que era autor, publicada em março de 2013 (agora com ligeiros retoques). Devo-a a um blog congénere, que amiúde me copiava algumas publicações. Opinando, não me parece de grande proveito o copia e cola; creio que o trabalho de cada autor deverá valer por si, pela investigação que faz e a forma como a apresenta. Contudo, e verdade seja dita, foi através dessa preservação que pude recuperar, pelo menos esta publicação. Um bem haja por isso ao seu autor!
Se o tal blog refere a origem, se menciona a fonte, não vejo grande mal em que copie. Costumo ouvir dizer que uma vez na net para sempre na net, e afinal não é bem assim. Mas pronto, ao menos não se perdeu tudo!
ResponderEliminarObrigado pela opinião cara Helena.
EliminarNão há grande mal em copiar e citar a fonte (mas em pelo menos um caso esse blog não o fez, apresentando algo que me deu muito trabalho a transcrever, como uma "novidade" sua).
Ainda assim, em minha opinião, o copia e cola entre blogs é na verdade inútil e redundante, dado que estamos a falar de textos sempre disponíveis e não em publicações que estão em boa parte pouco acessíveis às pessoas.
É claro que, no caso específico tal revelou-se útil, pois pude recuperar algumas situações que julgava perdidas; mas este é um caso especial que não inibe a opinião que tenho.