sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A água dos franciscanos

O convento de S. Francisco foi uma das primeiras instituições a possuir água canalizada na cidade do Porto, e de constante boa qualidade. O seu cano atravessou séculos, vindo mesmo a ser usado pela Associação Comercial do Porto, entidade a quem foi entregue o extinto convento, até ser finalmente substituído pela água da companhia.


O documento que abaixo parcialmente transcrevo, reporta ao meado do século XVIII; quando decorriam já dois séculos e meio da urbanização de uma boa parte do espaço atravessado por aquele encanamento, com a rua das Flores como o seu ponto alto, mas ainda com um grande troço enterrado por baixo das hortas localizadas na atual avenida dos Aliados e praça da Liberdade, que poucos anos depois seria também urbanizada pela Junta das Obras Públicas (bairro dos Laranjais). Este documento reporta precisamente ao tempo em que os arruamentos já lá se encontravam, ainda que certamente com parca construção.


«(...)

«Representa aos reais pés de V. Majestade o padre Guardião de S. Francisco em seu nome, e de todos os religiosos do mesmo convento sito na cidade do Porto em o qual se acha depositada a água que nasce na Quinta do Laranjal fora da mesma cidade; a qual água é de V. Majestade, pola ter depositado no sobre dito convento o sr. rei D. Fernando, de feliz memória, para ele e todos os seus reais descendentes, que houvessem de ir à dita cidade, e como esta passa por muitas ruas e cerca dos padres de São Domingos até chegar ao mesmo convento, sendo todo os distrito de seu nascimento até chegar ao convento de Santo Elói em algum tempo tudo hortas, e campos, e hoje existe tudo arruado, do que nasceram muitos prejuízos ao aqueduto, não se podendo contar ainda, com as provisões reais, que lhe aplicaram para o remédio (...), em atenção aos roubos que se fazem nas pias, e raízes das árvores, que as superam por causa das quais sendo a água pura se acha imunda, e dispersa sem chegar ao convento dos suplicantes, pois com a rutura dos aquedutos se junta o dano de estar quase perdida, e para se evitar este dano é necessário fazerem-no de novo e reedificar a arca, obra sem dúvida a que não pode chegar a pobreza dos suplicantes; e como os reais ascendentes de V. Majestade se dignaram de fazer o convento digno depósito da dita água, e a desejam conservar *na sua cristalina pureza*.

Suplicam humildemente a V. Majestade se digne dar lhe uma esmola para fazer o dito convento que fique perpétua, mandando dar a dita esmola de algum dos cofres da dita cidade...»

* dúvida quanto à transcrição estar exatamente correta.


O governo de D. José despachou que o provedor da Comarca deveria informar-se, ouvindo os oficiais da câmara (17.10.1750). É também curiosa a menção à proteção real dada à água dos Frades Menores, à qual voltarei...

Viriato


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FONTE: Tombo da Água do convento de S. Francisco do Porto (à guarda do Arquivo Distrital do Porto). IMAGEM: postal antigo da avenida dos Aliados, local atravessado pelo cano franciscano.

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