Mesmo que muito maltratada, fui encontrar a imagem que trago para esta publicação, com alguma surpresa, no precioso arquivo histórico da câmara. Não será a última vez que vos trarei imagens e dados sobre uma das áreas do Porto que maior interesse desperta ao autor destas linhas: a rua Nova da Alfândega e o desaparecido bairro dos Banhos. A referida imagem é esta.
Apesar da sua péssima qualidade (fotocópia?), é relevante para a história da cidade pela raridade; apresentando a rua Nova da Alfândega nos seus primórdios, como se de um casco de navio acabado de lançar à água se tratasse. E após a clarear um pouco, maravilhosos detalhes se nos revelam (relembro que as imagens podem sempre ser abertas em aba própria, para serem totalmente compreendidas).
O primeiro ponto vai para um reparo à data indicada como possível data de produção da imagem: 186?. Não é grande reparo, verdade seja dita, mais um preciosismo meu talvez. A verdade é que a imagem tem forçosamente de se enquadrar entre 1870 e 1872, mas com 1871 como o ano mais provável. Isto porque o edital para a desocupação das casas a demolir no bairro dos Banhos, para a abertura deste arruamento, data de fevereiro de 1870. Sendo que no final do seguinte, a rua Nova da Alfândega foi precariamente aberta ao trânsito, estando ainda em construção.
No pormenor apresentado acima, assinalei vários pontos de interesse: com o n.º 1, podemos ver a muralha fernandina, que certamente ainda lá se encontra escondida; e que constituía a continuação do denominado muro dos bacalhoeiros. Atrás dele, em tom mais claro, pois que se trata de uma parede com poucos meses de existência, vemos a sapata da rua Nova da Alfândega (n.º 2). É a mesma de hoje, se bem que à sua frente a outra sapata, construída para albergar a ferrovia (hoje parque de estacionamento), não existisse ainda. Atrás, em primeiro plano e no correr da rua, vemos casas, algumas semi-demolidas, das extintas rua dos Banhos, viela do Forno Velho de Baixo, viela do Calca Frades, rua do Reguinho... Assinalado com o n.º 3 está o fortim da porta Nova ou Nobre; fortificação que ainda lá se encontra, ainda que soterrada. Com o n.º 4 assinalo as únicas casas que não foram demolidas e que hoje compõem o topo das escadas do Recanto, mas que na verdade eram apenas uma pequena parte de uma viela destruída pela nova rua (viela do Forno Velho de Baixo)[1].
Neste segundo pormenor e na parte mais maltratada da imagem, podemos discernir a igreja de S. Francisco, a portaria do antigo convento, bem como a igreja dos Terceiros de S. Francisco, com as entradas para as catacumbas por baixo dela. Ora, é precisamente aí que se encontra também um curioso alto. Essa elevação, nunca inteiramente terraplanada, foi contudo desbastada quase por completo. O que dela sobrou faz agora parte de um caminho sem saída, provendo acesso à igreja dos Terceiros de S. Francisco, e à casa adjacente às referidas catacumbas, nada mais nada menos do que o que resta do troço inicial da rua de S. Francisco; arruamento que vem já do século XVI e que, graças à construção da rua Nova da Alfândega, ali ficou encostado, a modos que esquecido, num pequeno caminho sem saída.
Esta rua de S. Francisco, no seu troço agora inexistente, tinha início em frente do Passo embutido no paredão que sustenta a antiga igreja conventual, subindo de forma íngreme, e começando a sua descida também de grande declive até ao nível muito baixo que hoje conhecemos. Fez outrora parte da chamada Redondela: um monte arborizado onde se instalou a comunidade franciscana na cidade c. 1240. Do cemitério medieval proporcionado por esse convento, restaram as sepulturas da gente mais humilde plantadas em volta dele, que em 1871 e 1873 foram destruídas a dinamite para tornar possível o terraplano[2].
Sobre esta área da cidade, quase esquecida pelos historiadores, mais haverá a dizer no futuro.
Viriato
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1. A viela do Forno Velho de Cima, de que restos ainda subsistem com o nome genérico de Forno Velho, fora outrora denominada rua da Minhota, para onde se regista no século XV a existência de uma sinagoga.
2. Tive, em março de 2021, a alegria de ver publicado um breve artigo para a revista O Tripeiro, versando precisamente esta destruição, bem como outros achados da época relacionados com os cemitérios medievais do Porto.
OBS: Originalmente publicado n' A Porta Nobre a 03.12.2021 e agora revisto.
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