domingo, 18 de fevereiro de 2024

A escudo da Porta Nobre

Entre 1870 e 1872 ocorreram alterações na zona ribeirinha portuense que vieram radicalmente alterar a sua fisionomia. É neste lote de mudanças que se insere a completa destruição daquela que era a última porta da muralha "fernandina", ainda de origem medieval: a Porta Nova ou Porta Nobre. A origem destes dois nomes é-me desconhecida. Se atribuo o segundo ao facto de por ela terem feito a entrada solene na cidade alguns dos seus bispos, a primeira poderá advir de que, durante alguns tempo, aquela passagem constituir mero postigo - categoria inferior a porta - conhecido por Postigo da Praia. Ainda assim, todas estas tradições se me apresentam bastante duvidosas.

Com efeito, é com frequência referida uma suposta alteração ao postigo em 1522, que o terá na altura engrandecido, elevando-o então à categoria de porta. Mas essa data é falaciosa. Tal como refere José Ferrão Afonso na sua obra sobre a rua das Flores; as referências na documentação da época a uma suposta porta nova, corresponderão à porta Nova de Carros, localizada noutro extremo da cidade; abertura criada em substituição da porta de Carros original, por sua vez entaipada para permitir a construção do mosteiro feminino de S. Bento. De facto, nas imagens de fraca qualidade que podemos ver da referida porta, esta aparenta ser uma volumosa estrutura tipicamente medieval constituída por dois torreões com a passagem no seu meio.

neste pormenor de uma fotografia anterior a 1871 e numa época em que se desenvolviam as obras do edifício da nova alfândega (pedra em primeiro plano); assinalei com um círculo a pedra de armas da Porta Nova, com um X o seu quase tão famoso fortim (fortim de S. Filipe) e com um Y a primeira casa que ainda existe na rua de Miragaia (todas as que vão de encontro à porta foram demolidas)

Mas também a pedra de armas que ainda sobrevive da referida porta elucida à datação. Trata-se de um escudo real ainda não coroado, o que só acontece no reinado de D. Duarte; e sem as célebres flores introduzidas pelo seu pai, D. João I. É portanto um brasão da primeira dinastia posterior a Sancho II, já com orla de castelos mas ainda em número não fixado, à semelhança dos besantes dos escudetes. Está assim perfeitamente enquadrado na época da construção da muralha que, como se sabe, foi erguida em meado do século XIV, tendo a obra atravessado três reinados: o de D. Afonso IV, senhor do castelo do Porto ainda antes da subida ao trono e possível mentor do projeto; D. Pedro e D. Fernando.

Foi um pequeno milagre a sobrevivência deste escudo, ocorrida quem sabe apenas por uma questão de respeito ao regime monárquico da altura. Quem o quiser ver, como eu o vi finalmente numa tarde de Verão em 2022, poderá visitar a secção de lapidária do Museu Soares dos Reis, onde encontrará esta e outras pedras de armas de edifícios desaparecidos. Entre elas está também uma pedra Setecentista colocada na construção feita por cima da Porta Nova, cuja referência farei quando abordar o assunto em trabalho mais pormenorizado.

Viriato


o autor junto à pedra de armas da desaparecida Porta Nova ou Nobre . que deverá ter um pouco mais de 1,5m de altura

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