A perda de um anterior blogue que durante anos alimentei, com algumas publicações merecedoras dos elogios de alguns dos seus leitores, foi quase irreparável pela quantidade de publicações que desapareceram. Algumas mesmo únicas; ao ponto de terem sido copiadas e citadas por outros. Digo quase pois na verdade um pequeno punhado delas sobreviveram intactas à cremação. É o caso desta que aqui recoloco, versando duas fotografias sem identificação no sítio do Centro Português de Fotografia, apenas com pontuais modificações à original de julho de 2020. No final, numa adenda, proponho possiveis respostas para mais um punhado de fotos não identificadas daquela instituição. Estas fotos, que nunca as vi vínculadas ao local que representam, surgem agora em páginas de mais de um autor com a atribuição correta como se sempre assim fora... bem, é o maior elogio que podem fazer a esta publicação. Ela segue abaixo, tal como a elaborei antes de todas as outras terem sequer sido pensadas.
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Caríssimos leitores, nesta publicação trago-vos mais duas imagens que ainda que bastante danificadas, não pude deixar de encarar com alguma curiosidade. Curiosidade pelo mistério que para mim encerravam e que se traduz num pensamento: se no Porto, que locais eram estes? A princípio não tendo a certeza de estar realmente na presença de temas portuenses, creio hoje que isso não sofre dúvida. Resta-me dizer que o leitor pode encontrar estas e muitas outras interessantes imagens, em linha, no Centro Português de Fotografia.
Atente-se na primeira:
i1
A imagem tem a legenda [EDIFÍCIO NÃO IDENTIFICADO] e a referência que o CPF apresenta na secção Âmbito e Conteúdo informa: «Estas fotografias foram tiradas numa ida à região do Douro, por altura das vindimas»; o que poderá confundir o mais incauto. Mas se essa informação for por ventura válida para as restantes fotografias da série, a i1 é, na verdade, um aspeto da praça da Liberdade, ao tempo em que a mesma ainda pertencia ao rei. Trata-se mais precisamente do seu ângulo noroeste, onde tem início a rua do Dr. Artur Magalhães Basto, presente na foto, à época com o designativo de travessa de D. Pedro. Se o leitor conhece o local onde agora se encontra a estátua do Porto, saiba que ele se vê nesta fotografia, à esquerda, onde vemos alguns vultos de pessoas.
Em primeiro plano temos um palacete. É o edifício adquirido pelo município em 1864 por 19:200$000 réis, a Maria da Natividade Guedes de Portugal e Menezes, moradora em Coimbra e que o possuía desde 1840. Foi adquirido para nele se instalarem alguns departamentos camarários, que se começavam a sentir apertados no seu vizinho e mais conhecido encimado pelo Porto, já ocupado pela câmara desde 1819. Na imagem abaixo de meado do século XIX, assinalo o palacete pelo n.º 1 e a estátua, no local para onde havia sido expressamente esculpida, com o n.º 3.
i2
Como última e curiosa nota respeitante a esta imagem, poderei mencionar a casa imediatamente adjacente ao dito palacete, onde em 1826 nasceu o malogrado poeta Soares de Passos, assinalado pelo n.º 2 na i2. Seria certamente lindíssima a paisagem desta praça naquela época, com o seu quase bucólico ambiente onde os ruídos eram em tudo diferentes dos atuais, dominados pelos infernais motores de combustão...
Vamos então passar à segunda e mais enigmática imagem do CPF:
i3
Pois caríssimos leitores, a que local se refere esta imagem? Será no Porto? Será noutra cidade, ainda que seguramente nortenha a julgar pelo aspeto dos edifícios? Confesso que ela me fez coçar um pouco mais a cabeça... ainda assim creio ter descoberto o 'gato'. Mas antes de expor a minha tese devo referir que não estou cem por cento certo da sua correspondência, contrariamente à anterior. Ainda assim me atrevo a aventar esta hipótese por acreditar piamente que não me desvio da verdade.
A fotografia, como vemos, está bastante danificada. Ela apresenta-nos um local recôndito de uma qualquer rua, como tantos que existiam antes do advento da artéria rasgada a regra e esquadro absorver boa parte dos centros históricos das nossas grandes cidades. A imagem está identificado no CPF como [CASAL/VENDEDORES SENTADO NA ENTRADA DE PRÉDIO NÃO IDENTIFICADO], o que é justo e honesto. O que ela parece representar, quanto a mim, é um casal/vendedores sentado na entrada de prédio junto à viela do Polé!
A maioria de vós talvez nunca tenha ouvido falar deste arruamento; e não será de admirar. Tratava-se de uma viela esconsa e sem grande interesse histórico, que ligava a rua do Almada à praça da Liberdade e que desapareceu há quase um século. Seria, em meu pensar, um resquício das ruelas que aquela zona da praça teve no século XVII e XVIII, quando ainda por ali existia a bela fonte da Arca ou da Natividade e os tendeiros que a populavam, tudo já desaparecido.
Para que o leitor possa subscrever ou repudiar esta opinião, convido-o a verificar a i4, onde com um retângulo laranja assinalo a entrada da viela do Polé (confuso quanto à localização dos edifícios patentes na fotografia? Atente ao n.º 1, que assinala o antigo Palácio das Cardosas, agora Hotel Intercontinental).
i4
Há um aspeto que não é idêntico nas duas imagens: na i3 a subida para a viela ainda se faz em rampa, composta por um lajeado de pedra grosseira; quer na rampa quer no próprio piso da praça naquele recanto. A i4 - disponível aqui - já nos mostra a mesma subida regularizada por um lanço de escada, assim como o piso da praça no local se encontra também ele regularizado 'à moderna'. Mas isso não será motivo para descartar a hipótese que coloco e afirmar que se tratam de dois locais distintos; pois não é a primeira vez que uma área da cidade que vai em breve desaparecer, recebe melhoramentos poucos anos antes da sua destruição. E acredito que na época em que os ditos melhoramentos foram introduzidos não fosse certo que a viela estivesse condenada ao desaparecimento; não obstante a câmara ter bloqueado a sua passagem com dois portões de ferro, tendo em atenção a higiene pública, algures antes de 1916.[1]
Finalmente, a 3 de julho de 1918, foi assinada a escritura de venda da viela e dos prédios que com a mesma confinavam pelo lado do sul, para que o Banco de Portugal pudesse aí erguer condignamente o belíssimo edifício da sua caixa filial; por fim inaugurado em 1934, quando a viela do Polé era já apenas uma memória.
1 - Ano em que Alberto Pimentel o refere a pp. 56 do seu livro A Praça Nova.
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ADENDA
Assim terminava eu aquela publicação. Contudo, procurando as imagens no CPF para de novo aqui as colocar, deparei-me com mais algumas não identificadas que se me afigurou fácil indicar o local. Assim, e ainda dentro das fronteiras portuenses temos:
1 - Entroncamento da rua Nova do Tronco com a rua do Amial, aqui (edifícios que de alguma forma se encontram relacionados com a Companhia de Seguros Garantia);
2 - Igreja Anglicana do Porto, aqui;
3 - O claustro velho da Sé do Porto aqui;
Já fora do Porto:
1 - O que creio ser, em Vila Nova de Gaia, o túnel do caminho de ferro que foi rasgado mas nunca ativado e vendido à Real Companhia Velha, aqui.
2 - A portaria do mosteiro beneditino de Santo Tirso erradamente dita como Grupo à entrada de Palacete não identificado, aqui;
5 - Uma rua não identificada aqui, que é nada mais é do que a rua de Sobre Ribas nos leva até à Torre de Anto, na belíssima cidade de Coimbra.
6 - A dita torre, aqui.
7 - E a mais duvidosa de todas as hipóteses, o antigo viaduto ferroviário da rua do Mosteiro, em Águas Santas, aqui. Este género de pontes terão sido certamente construídas em série, no entanto, pelo ângulo e pelo estilo, é bastante semelhante à ponte metálica há anos substituída por uma de betão (ver aqui o local na atualidade).
Viriato
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