Apesar dos altos números de infeção neste inverno de 2021(1), creio que nos encontramos hoje na fase descendende da pandemia que tem vindo a condicionar a sociedade portuguesa, desde março de 2020. Os seus efeitos reais a médio e longo prazo na vida das pessoas ainda estão por demonstrar; e só agora, com o início da normalização, iremos realmente colher os frutos de todas essas condicionantes. Um desses aspetos, particularmente no que toca ao ano de 2020, foi o assistirmos a uma forte estagnação da economia, com grande parte da atividade comercial parada. Foi esse precisamente o pensamento que me veio à memória ao ler o pequeno texto que se segue; que nos prova que o que foi por vezes volta a ser, mesmo que muito não se queira... Pois que de facto, neste extrato do relatório anual da Caixa Filial do Banco de Portugal no Porto referente ao exercício de 1899, podemos notar vários paralelismos com o nosso tempo:
« (...) Com relação à segunda parte referente ao segundo semestre [do ano] e já sob a administração defintiva que tomou posse a 20 de Junho, deram-se ocorrências de tão transcendente importância na praça do Porto, que não podemos deixar de nos referirmos a elas, pela influência extraordinária que tiveram no resultado das operações.
Declarada oficialmente a peste bubónica nesta cidade(2), impostas medidas sanitárias do maior rigor e cerrada a cidade pelo cordão militar - estabeleceu-se o pânico e daí a saída precipitada de milhares de pessoas, agravada com o impedimento na vinda dos foresteiros que, especialmente, na época balnear dão considerável impulso às transações comerciais.
A perturbação que este estado de cousas causou na situação económica da cidade, provocou os mais enérgicos protestos de toda a população, principalmente do comércio e da industría que eram os mais declaradamente afetados.
Não desejamos referir os sobressaltos e inquietações que tivemos de suportar, tendo, como tinhamos, interesses de maior monta a salvaguardar e defender, vendo o comércio fechado, as fábricas paradas, os operários na rua, e o movimento comercial dos novos portos marítimos absoluta e completamente paralisados.
Nestas circunstâncias, como V. Exas. bem podem avaliar, atravessou a nossa praça um período cortado(?) de dificuldades e inquietações.
Perante uma situação tão assustadora e de tão anormal gravidade - reconhecida por V. Exas. em sua carta confidencial de 29 de Agosto, em que, mais que nunca, nos recomendavam a costumada prudência no andamento das operações desta Caixa - imediatamente pusemos em prática todas as medidas que ao nosso critério pareceram adequadas para acautelar e defender os interesses que nos estão confiados e fomos obrigados a empregar algumas restrições e reserva nas operações de desconto e transferências, sendo-nos muito grato poder, hoje, assegurar a V. Exas. que o nosso procedimento não levantou reclamação alguma na praça.
A forma como acatamos, cumprindo o nosso dever, as recomendações de V. Exa., traduz-se na convicção em que estamos de que encerramos o exercício sem prejuízos a registar. »
Consegue o leitor encontrar, nestas sucintas linhas, pontos em comum com a pandemia da COVID-19? Não duvido que sim.
Viriato
P.S. Quem pretender aprofundar um pouco o que foi a vivência da cidade durante o cordão sanitário, recomendo a leitura da interessante dissertação de mestrado de David Pontes, Para saber mais: "O Cerco da Peste no Porto - cidade, imprensa e saúde pública na crise sanitária de 1899" - FLUP/2012.
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1. Este é mais um texto recuperado do blog que perdi, originalmente publicada em 23/11/2021, agora sofrento ligeiras alterações.
2. Foi a 4 de Julho daquele ano, que Ricardo Jorge recebeu a primeira notícia, oficiosa, de umas mortes inusitadas de carrejões da rua da Fonte Taurina.
FONTE: Livro 1.º de relatórios da Caixa Filial do Banco de Portugal no Porto, à guarda do Arquivo Histórico do Banco de Portugal
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