sexta-feira, 30 de maio de 2025

O dia em que a Torre dos Clérigos estremeceu!

Existe um volume pouco conhecido do historiógrafo portuense Henrique Duarte e Sousa Reis, intitulado Apontamentos para os Anais da Cidade do Porto 1832-1839. Escrito, a julgar por outras datas insertas no texto, nos anos sessenta do século XIX, contêm muitas e interessantes informações para aquele quase esquecido período em que dura a guerra civil e, sobretudo, os anos subsequentes. Nele o autor introduz, através da data, o assunto ou assuntos que vai tratar, em letra que hoje chamaremos de regular. A seguir, logo abaixo numa letra diferente mas de sua inteira lavra – uma espécie de itálico – acrescenta uma explicação, deduz um raciocínio, aponta um caminho...

O verbete que abaixo apresento, retirado desse manuscrito e referente ao ano de 1835, é apresentado com a ortografia atual, sendo que no original, o segundo parágrafo aparece, como referi atrás, com a tal escrita italizante. Ele termina de uma forma humorística, ainda que se o caso se passasse comigo, não ganharia para o susto!


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«3 de Setembro. Na noite que precedeu este dia caiu um raio elétrico sobre a cúpula da Torre dos Clérigos e lhe destruiu algumas pedras e bem assim as pirâmides que a rematam pelo lado do sul, abalando o globo de cobre sobre o qual se hasteia a cruz de ferro que está colocada no mais alto da dita torre, estragos estes que na sua restauração custaram avultada soma de cabedal à Irmandade dos Clérigos Pobres, a quem pertence este majestoso edifício. Sofreram bastante dano algumas casas sitas na rua da Assunção sobre as quais caíram grandes pedras quebradas pelo raio; uma centelha ou faísca perdida[?] na casa dos Wanzellers em Vilar e outra na torre do mosteiro das religiosas de Santa Clara correndo em várias direções destes dous edifícios pequenos danos causaram mas não o deixaram de fazer com grande susto dos seus habitadores. 

O nenhum uso que esta cidade se faz dos condutores, maiormente quando o Porto é assente sobre altos montes, sujeita-nos a estes acontecimentos, é verdade que não muito amiúde, porém se os houvera talvez nem esses poucos sucessos se dariam: no edifício da Bolsa recentemente colocaram alguns condutores. É notável o que aconteceu com o raio entrado pela Torre dos Clérigos que descendo por ela abaixo entrou no aposento do padre sacristão, e lambendo-lhe algumas moedas de bronze, a que se dá o nome de patacos, e ele tinha sobre a mesa do quarto onde ele dormia nenhum dano lhe fez, porém sumiu-lhe um botim por ter o tacão ferrado, deixando-lhe o outro não obstante ser-lhe igual.»

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Anos se passaram já! E por certo, desde a sua edificação, não terá sido o primeiro nem o último incidente, a envolver este ex-libris portuense. E salvo qualquer cataclismo de enorme magnitude, ela ali estará, altaneira, orgulhosa e belíssima; à espera de um qualquer raio vindo da forja de um qualquer Ciclope!

Viriato

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Originalmente publicado em 2 de março de 2021

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