Em março de 1238 já os primeiros domínicos se encontravam no burgo em grande afã construtivo e necessitados de toda a ajuda possível; é que naquele tempo, não tenhamos dúvidas, os mendicantes metiam literalmente a mão na (arga)massa. Para o ilustrar vejamos esta passagem de Fr. Luís de Sousa, que embora se referindo a uma parte da vida de frei Gil de Santarém, não fugirá muito da realidade da época: «... passou a caso pelo sítio em que os frades de S. Domingos [de Palência] andavam atualmente rompendo paredes em umas casas velhas, e levantando outras para comporem seu conventinho: viu ferver a obra, e nela amassando cal, e carregando pedras cobertos de pó, e caliça homens, que no gesto, e no jeito, mostravam não haver nascido para tais misteres.»(1).
Embora nas constituições dominicanas que regiam a vida das suas comunidades existissem regras bem definidas sobre como poderiam as mesmas levantar as suas casas, a verdade é que, pelo menos no nosso país, os conventos foram fundados aproveitando instalações pré-existentes fossem elas hospedarias, ermidas ou simples casas de habitação. Ainda assim essas instalações necessitavam de ser adaptadas pois destinavam-se a albergar uma comunidade de homens que dali fariam a sua casa.
Mas, onde ficava esta igreja consagrada com casas em seu redor dispostas em quadra, que o bispo lhes doara? Embora a resposta seja fácil quanto ao local, não é fácil de responder quanto ao que e como era aquela estrutura antes dos dominicanos ali se instalarem. É bastante provável que a ermida da Nossa Senhora da Escada fosse a igreja que o bispo oferecera. Situada no topo de uma escada íngreme e aparentemente rodeada de construções em quadra; estas instalações não vem referenciadas em documentos daquela época ou anteriores, pelo que talvez nunca venhamos a saber a época a que remontavam e que funções desempenhavam antes da Ordem dos Pregadores delas tomar posse. A hipótese colocada pelo douto historiador Dr. Ferrão Afonso, aponta para a possibilidade de aquelas estruturas constituírem a «albergaria novae de Portu», assim mencionadas no testamento do bispo D. Fernando Martins em 1185(2).
O convento implementou-se perto de um caminho de acesso à cidade, «prope viam quae tendict ad suburbium de Miragaya»(3); isto é, um caminho que vindo da cidade descendo a rua da Bainharia virava à esquerda na travessa do mesmo nome e passando a ponte de S. Domingos na chamada cruz(4) de S. Domingos (onde já existiam azinhagas que viriam a dar mais tarde a rua da Biquinha e a das Congostas) iniciava a subida e prosseguia rente ao monte da Vitória, acompanhando sensivelmente o trajeto das escadas do mesmo nome bem como a rua da Vitória no seu troço junto a Belomonte. Há época, casas por ali é coisa que quase não existia como vamos ver mais à frente, quando os frades adquiriram alguns terrenos para alargarem a sua propriedade.
Abaixo, com a ajuda do googlemaps, tento dar uma ideia do local:
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1. Uma prova mais concreta de que os frades metiam mão à obra na construção dos seus conventos, está demonstrada pelo trabalho da investigadora espanhola Diana Lucía Gómez-Chacón, Las escenas constructivas del claustro de Santa María la Real de Nieva (Segovia)
2. Ver A imagem tem de saltar: a igreja e o Porto no século XVI (1499-1606) daquele autor, p. 26, nota 109.
3. Extraído de um documento do cartório do convento, de 1307, referente a uma protestação a uns pedreiros.
4. Cruz tem aqui o significado de encruzilhada, ou mais modernamente, cruzamento.
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