quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Português Europeu com mais açúcar?

E eis que nesta publicação opto por enviar a segunda capital do reino para as urtigas, trazendo à liça um assunto completamente diferente que também me exerce algum fascínio: as línguas neolatinas do oeste da Península Ibérica. No caso, o português de Portugal e seu futuro.

Com efeito, a língua portuguesa, oficializada pelo rei D. Dinis em 1296, percorreu um longo caminho até aos dias de hoje, espalhando-se pelo globo durante o século XVI, lançando as sementes para o nascimento de várias variantes, a maioria hoje extintas. No século em que nos encontramos, aquelas que ocupam quase a totalidade do espaço linguístico são o português de Portugal e o do Brasil (que se subdividem nos seus falares regionais). A última conta com um número de falantes esmagadoramente maior do que a primeira: c. 214 para c. 10 milhões de indivíduos(1).

Sobretudo graças aos novos meios de informação e comunicação, a variante brasileira tem vindo lentamente a penetrar junto das gerações de tenra idade, do lado de cá do Atlântico. Tal tenho notado particularmente junto de um familiar onde ocorrem muitas vezes construções frásicas, silabas tónicas ou uso de termos completamente estranhas ao Português Europeu. Ainda que muitas dessas situações sejam corrigidas pela escolaridade, certo é que na evolução das línguas não são os nacionalismos que se impõem (exceto quando autoritários e por isso artificiais) nem mesmo a suposta superioridade de uma variante em relação à outra, como de modo geral acredita o cidadão comum. Elas advêm de movimentos sociais, que poderão ou não ser aproveitadas política ou economicamente por terceiros, em fase posterior.

Não vale muito a pena remar contra esta maré de americanização do português europeu: ela vai acontecer. Resta saber em que grau e quais os traços que se irão incorporar e quais os suprimidos, sendo certo que estes movimentos nunca se processam ao modo copy paste. Pensar que os portugueses vão de repente acordar a falar a variante brasileira, é não saber como se processam as dinâmicas de uma língua. E como atrás referi, o pensamento de que uma dada variante ser superior às restantes é uma ilusão - independentemente do significado que queiramos dar à palavra, pois ambas são válidas nos seus contextos e ambas são erradas - sobretudo na escrita - se usadas do lado errado do Mare Oceanum...(2)

Curioso pelo assunto, não deixa de me intrigar esta contínua deriva das línguas e em particular da minha nativa, tentando adivinhar o que será o Português Europeu daqui a vinte anos. Neste momento, muitos cidadãos brasileiros escolhem Portugal para viver e a presença do português que consigo trazem é cada vez mais notório. Somando a esse realidade a ajuda das redes sociais que acima referi, tudo se combina para dar um grande impulso à fixação de características linguísticas do português do Brasil no de Portugal; talvez mais ao nível da gramático do que do vocabulário(3).

Daqui a uma vintena de anos o Português Europeu será, isso sim, um pouco diferente daquele que hoje existe. E tudo graças ao seu irmão mais novo, que vive do outro lado do Atlântico.

Viriato


ӽӽӽ

1. Este número não estará completamente correto... Nos países africanos - e Timor - nascidos das ex-colónias portuguesas, fala-se Português Europeu; pese embora a maioria da população não o tenha como primeira língua ou nem mesmo como segunda. Do que se concluí que esta diferença cega dos números, embora grande, não será tão elevada.

2. A ideia que o português de Portugal ser o correto não colhe. A língua tem de ser sempre dissociada da nação, mesmo daquela em que se originou; pois ela pertence a todos os seus falantes nativos. Dou um exemplo que li há muitos anos na obra Falar Melhor, Escrever Melhor, escrita por especialistas e publicada pelas Selecções do Reader's Digest: se Camões se sentasse num ameno diálogo com um brasileiro e um português, com o "seu" português do século XVI, possivelmente entenderia melhor o interlocutor brasileiro...

3. No contacto quotidiano, já ouvi cidadãos brasileiros a utilizar o termo português em vez do seu homólogo brasileiro, em termos como comboio, frigorífico, cancro, etc.... O que faz sentido, pois estão inseridos nesta sociedade e sendo aqui que têm de viver e se fazer entender; optam por substituir os termos mais específicos do seu português, quem sabe até de forma inconsciente. Afinal, quantos brasileiros entenderiam no seu país a frase a que hora passa o comboio?

Sem comentários:

Enviar um comentário