Por estes tempos em que andam os poderes políticos a discutir a construção de mais pontes sobre o Douro, parece que de tudo uma certeza apenas há: dentro de dez anos o rio estará ainda mais atafulhado de passagens. Uma para suprir a necessidade disto, outra daquilo, e mais outra de aqueloutro (porque as necessidades humanas são infinitas e que o futuro precisa não é para agora...) E enquanto isto se passa no Porto já não industrial, antes turístico, do século XXI, cerca de duzentos anos atrás a conversa era outra, com os estudos para a construção da primeira ponte permanente a ligar as margens de Gaia e do Porto. Que bonita seria se, para além de construída, ela efetivamente ainda existisse!
O documento que para aqui trago creio ser, se não inteiramente ignorado, ao menos há muito esquecido. Ainda não vi, na parca bibliografia que consultei sobre o assunto, alguma alma que se lhe referisse. Ele jaz perdido, no meio de tantos outros bem interessantes, no arquivo histórico do Porto, ao Infante. Trata-se de um parecer de João Crisóstomo de Abreu e Sousa(1), tenente do corpo de engenheiros do exército ao serviço da Inspeção das Obras Públicas, emitido no dia 7 de setembro de 1839. Foi para mim um precioso achado, que acredito que para os leitores interessados por esta temática, seja uma ótima forma de ocupar meia hora do serão.
Contudo, antes de vos mostrar o referido documento, que é longo mesmo truncado, não quero deixar de referir que o engenheiro João Crisóstomo teve uma vida bastante ativa na sociedade desde 1833, altura em que o liberalismo entrou em Lisboa. Foi deputado, ministro das Obras Públicas, da Guerra; e chegou mesmo a ser presidente do Conselho de Ministros durante perto de um ano e meio, já no fim da vida (1811-1895). Mas concentremo-nos então no parecer que o ainda jovem tenente apresentou, quando estava ao rubro a discussão sobre os planos e local, onde construir a ponte-término da estrada Lisboa-Porto(2).
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Parecer acerca de dous projetos de ponte suspensa sobre o Douro, em frente do Porto, apresentados pela empresa Lucotte(3)
Chamado a uma conferência perante sua excelência o senhor administrador geral deste distrito, no dia 29 do último mês; ali me foi presente o objeto de que se tratava sendo-me patentes os projetos que a empresa da ponte suspensa sobre o Douro tem apresentado, pretendendo substituir o primeiro já aprovado pelo governo de sua majestade, por um outro, em consequência (segundo dizem os empresários) do referido projeto já aprovado, uma vez posto em execução, ir obstruir o trânsito, especialmente no fim da rua de S. João.
Nesta conferência foi dito, por parte das câmaras municipais do Porto e de Vila Nova de Gaia que incompetentes para julgar do mérito ou demérito de qualquer dos projetos cuja preferência se ventilava o que pretendiam tão somente, é que a obra oferecesse a solidez desejada, sem que produzisse os inconvenientes que consta(?) a adoção do primeiro projeto a empresa certificava se realizarão.
Estabelecida a questão deste modo, e pelo exame passageiro das plantas que me foram mostradas, para desde logo se me oferecerem as considerações seguintes que incontinente expus.
Que desprevenido como estava sobre aquele objeto, não podendo imediatamente tomar dele conhecimento exato, que me habilitasse a proferir uma opinião segura, e bem fundamentada, eu não poderia apresentar naquela ocasião senão um juízo precipitado, e emitir uma opinião improvisada, e portante suscetível de erro: que demais objetos daquela natureza demandavam séria atenção, e não comportavam improvisos, sendo às vezes preciso investigações no terreno, um exame bem detalhado das plantas, e até submeter ao cálculo certas questões que só por ele podiam ser resolvidas. Mas não obstante a ??(4) de exame mais detalhado, desde já me parecia pela simples comparação dos dous projetos nas suas disposições essenciais, que o segundo apresentava inconvenientes de primeira magnitude, enquanto que o primeiro ajunto(?) deles, se me representava oferecer vantagens decididas a todos os respeitos, e por isso assentava, que se o primeiro projeto fosse executável, sem ir impedir o trânsito ou comunicação necessária, e sem atacar propriedades na praça da Ribeira, deverá ser preferido, porque tendo já a louvação do governo de sua majestade, uma vez que não existissem ou se desvanecessem esses males que se figuravam, não podia haver razão alguma para que se não executasse. E ainda mesmo para o projeto aprovado pelo governo de sua majestade, aplicado no terreno em toda a sua integridade lhe não fosse adaptável, por isso não ficava demonstrado que fosse indispensável seguir o segundo projeto em que vi grandes inconvenientes, antes pelo contrário em me persuadia, que o 1.º projeto, quando não executável exatamente, era todavia suscetível de algumas modificações, que sem lhe alterar as suas condições oficiais de perfeição e solidez o tornassem acomodado às localidades, entendia também, que se deveria fugir da construção de um pilar ou pé direito do meio do rio, sendo que cumpre evitar esta construção mesmo em rios que não apresentam circunstâncias tão desfavoráveis como o Douro.
Todas estas ideias patenteei na conferência mas por parte da empresa não sendo aceites as minhas opiniões, que logo ali repugnaram convenio-se (o que aliás em todo o caso era necessário) que o engenheiro da empresa comigo passasse a fazer as investigações necessárias, para esclarecimento desta questão, a fim de que discutida entre nós se chegasse a algum resultado.
No dia seguinte pois ao da conferência passamos ao terreno a fazer a verificação do mesmo: o engenheiro da empresa repetiu as operações essenciais para a determinação da largura do rio, construção do seu perfil latitudinal N. E sem entrar num exame minucioso, verifiquei o essencial, reconhecendo que o terreno estava com suficiente exatidão levantado no plano que me foi presente como retificado pelo engenheiro da empresa, e do qual há cópia na planta 1.ª junto a este parecer.
Firme eu ainda na opinião que já tinha manifestado de novo discuti com o referido engenheiro as inconveniências do 2.º projeto, e o quanto me parecia exequível, com pequenas alterações (quando necessárias), o primeiro projeto.
Não foi possível porém acordar-nos, em consequência do que, para completar com toda a exatidão o conhecimento de causa as minhas investigações, a fim de dar um parecer definitivo, pedi me fossem presentes para as examinar detalhadamente, as plantas relativas aos dous projetos.
Procedi pois ao exame de todas as plantas com mais atenção, e não foi sem admiração que reconheci que o inconvenientes alegados [n]o projeto aprovado pelo governo de sua majestade, eram imaginários, sendo que ele é exequível sem a mínima alteração, salvo demandar uma pequena expropriação em Vila Nova.
«planta de uma parte do projeto da ponte suspensa sobre o Douro em frente do Porto e na margem direita do dito rio. Copiada da que foi aprovada pelo governo de sua majestade»
A empresa tinha mostrado desejo de conhecer o meu parecer definitivo e conquanto a mesma empresa tivesse já mostrado como que indisposta, e escandalizada pelas minhas ideias acerca da sua pretensão, não tendo assim a benevolência devida para com uma opinião, que quando mesmo errada fosse, merece respeito por ser conscienciosa, e emitida em corretude dos deveres da minha função; eu todavia não julguei dever revisar-lhe(?) dar conhecimento do meu parecer, mas entendo também que não só a referida empresa devia a declaração dele, senão que às câmaras municipais interceder nesta decisão convinha fazer patentes as razões que eu tinha para não aprovar o segundo projeto apresentado pela empresa.
Em consequência pedi a sua exa. o sr. Administrador Geral uma nova conferência, em que fossem convocadas as mesmas pessoas que o haviam sido na primeira, e a que demais fossem invocadas sua exa. o Intendente da Marinha, e o Piloto Mor da Barra.
Desejei sempre de escutar o maior número de opiniões, que me esclareçam sobre qualquer assunto, por isso que as minhas intenções são sempre de atingir a verdade, e torná-la bem patente, ao requisitar o convite daqueles dous funcionários, que embora sejam alheios à profissão de engenheiro, são contudo conhecedores do rio Douro, e sabem como se comportam as suas águas, qual a força da sua corrente, a natureza do seu álveo, fatores estes que convêm examinar, e que devem fazer parte das investigações relativas ao objeto em questão. Com a convocação destes funcionários, para lhes ouvir sua opinião acerca das suas circunstâncias peculiares deste rio, pretendo também mostrar à empresa, que eu não ponho capricho no triunfo da minha opinião, mas sim no devido acerto [e] resolução deste negócio. Estes funcionários efetivamente se expressaram de um modo que não invalidaram o meu juízo. Disseram que alheios à ciência hidráulica não sabiam os recursos ou meios que ela tinha para se opor à ação das águas nem se esses meios, aplicados ao caso de que se trata, eram bastantes para garantir a solidez da obra, afirmaram a impetuosidade da corrente, por ocasião das maiores cheias principalmente, e a sua velocidade formidável, não inferior a 15 milhas naquele lugar; - a variável das correntes, os redemoinhos que forma e a natureza corrosível do fundo do rio; - que se a tudo isto se atender; que se é possível apresentar uma massa que resista a estes efeitos, bom estava, mas que se não se podia garantir que o pé direito ou pilar no meio do rio vencesse sempre todas aquelas causas da ruína, então estava mais seguro, e preferível, o primeiro projeto.
Esta tinha sido a minha opinião na anterior conferência; tendo declarado na mesma, que se eu me visse colocado irreversívelmente(?) no dilema, de ou não haver ponte suspensa, ou de recorrer à construção de um pilar no meio do rio, eu nesse caso não me oporia à sua construção, não obstante os seus inconvenientes; visto que de outro modo se não podia obter a construção de uma obra tão necessária para esta cidade: mas que convencido como eu estava de que havia meios de executar a ponte, sem recorrer ao expediente de formar um pegão no meio do rio, eu não podia aprovar semelhante expediente.
Na segunda conferência eu dei enfim o meu parecer, que passo agora a expor: nele mostro:
- 1.º que o projeto aprovado pelo governo de sua majestade é em toda a sua integridade aplicável ao terreno, sem os inconvenientes pelos quais se pretendia que ele fosse rejeitado.
- 2.º Que quando mesmo, por qualquer motivo, interesse, ou ideia se não quisesse aplicar tal qual ao terreno o projeto aprovado, não era preciso por isso recorrer ao segundo projeto, pois que o primeiro era suscetível de modificações que o tornassem apropriado às localidades, sem ser preciso alterar-lhe as suas condições essenciais de perfeição e solidez; e mesmo sem grande diferença na despesa.
- 3.º Que o primeiro projeto considerado em sim mesmo, e em relação ao segundo, e às localidades, é de uma superioridade inquestionável.
A primeira parte do meu parecer; que tem por fim demonstrar que o primeiro projeto é aplicável ao terreno, sem os inconvenientes que se lhe atribuíam, funda-se inteiramente em algarismos, e bastaria esta prova tirar todo o pretexto para alterar o que já está aprovado.
Eu simplifiquei todas as plantas, e particularmente a que se acha aprovada pelo governo de sua majestade; e verifiquei as distâncias dos pontos essenciais do terreno, e as dimensões da ponte, e em resultado achei; que as distâncias relativas aos pontos do terreno estão devidamente representadas na planta aprovada, e que essas mesmas distâncias estão também conformes com as que são designadas no novo plano, que apresentou a empresa, e que envio por cópia, planta n. 1.ª. Mas se estão conforme as duas plantas quanto ao terreno, não estão todavia pelo que respeita à colocação, e dimensões da ponte. Reconheci pois, que o 1.º projeto da ponte suspensa não é aplicado ao terreno pela empresa como devia ser: e como efetivamente o está na planta aprovada; e que mesmo algumas dimensões da ponte eram ??(5) demandando de todas estas inexatidões as consequências desvantajosas que a empresa fazia recair sobre o projeto.
Na planta 1.ª está aplicado pela empresa ao terreno o 1.º projeto, o qual se acha indicado pela cor encarnada; a cor azul indica o segundo projeto, indicando as linhas pontuadas de amarelo a posição e dimensões da ponte, por mim retificada, e aplicada ao terreno tão exata e verdadeiramente como está na planta aprovada, donde tirei todas as dimensões, com o maior escrúpulo, e exatidão.
A planta 2.ª indica uma parte do alçado da ponte sobre a margem direita do Douro, conforme o 1.º projeto; e foi copiada também fielmente da planta aprovada.
Eis aqui os resultados a que chegamos, e que se deduzem do exame das mesmas plantas.
Legenda das distâncias relativas à ponte suspensa, e ao terreno em que ela se deve estabelecer Distâncias horizontais contadas no terreno em que deve colocar-se a ponte suspensa, conforme a planta aprovada
Do norte para o sul: da quina da casa da fonte, na praça da Ribeira, até à borda do cais, na margem direita : 74m(6). Da borda dos cais na margem direita até ao alinhamento dos cais em Vila Nova : 254m. Do alinhamento dos cais em Vila Nova até ao alinhamento das casas : 35m. Comprimento total (...) do terreno de que podemos dispor, para a colocação da ponte suspensa, no sentido longitudinal da mesma : 354m.
NB: estas distâncias relativas ao terreno estão conformes, tanto na planta aprovada pelo governo de sua majestade como na que agora a empresa apresenta como retificada, e certa, e cuja cópia é a planta 1.ª, portanto sobre a extensão do terreno ambas as plantas combinam, não há desconfiança entre mim e a empresa a esse respeito. Vejamos porém quanto à ponte e sua colocação.
Distâncias ou dimensões horizontais tomadas no sentido longitudinal das massas visíveis que compõem a ponte suspensa, extraídas da planta aprovada pelo governo
De norte para o sul: pedestal de atracamento, comprimento : 8,8m. Distância do pedestal de atracamento aos pilares de suspensão : 51,2m. Subtenso(?) do arco ou distância entre os pontos de suspensão nas duas margens : 223m. Distância dos pilares de suspensão na margem esquerda aos pedestais de atracamento na mesma margem : 51,2m. Pedestal de atracamento, comprimento : 15m. Total da distância longitudinal, ocupada por todo o sistema da ponte : 349,2m.
Portanto em resumo temos: comprimento total do terreno disponível: 354m. Comprimento que deve ocupar a ponte: 349,2m. Espaço de terreno livre, e desocupado que resta: 4,8m.
NB: Tornamos a repetir que estas dimensões da ponte são tomadas fielmente na planta aprovada. Resta-nos saber se os referidos 4,8 metros de terreno desembaraçado e livre nos crescem nas margens direita, ou esquerda, ou em ambas, para cujo conhecimento, tendo nós já o comprimento total ocupado pela ponte, só nos falta saber a colocação da mesma ponte, e para isso devemos tomar um ponto de partida, e seja este o eixo dos pilares de suspensão na margem direita, teremos.
Terreno disponível na margem direita, conforme já se acha
De norte para sul: desde a quina da ponte, na praça da Ribeira, até à banda do cais: 74m (NB esta distância se pode verificar na planta 1.º). Espaço necessário na mesma margem para o estabelecimento da ponte conforme a planta aprovada pelo governo, é como segue: para a distância a que devem ficar recolhidos da borda do cais aos pilares de suspensão: 3m. Desse esses pontos de suspensão até aos pedestais de atravessamento: 51,2m. Comprimento dos pedestais: 8,8m.
a planta na sua totalidade
Soma o espaço que deve ocupar a ponte na margem direita 63m (estas distâncias e dimensões se podem verificar na planta n.º 2). Os quais 63 metros abatidos dos 74 acima notados deixam de resto 11. Que é o terreno que fica livre e desembaraçado na praça da Ribeira, no sentido do comprimento da ponte que é representado pelo sul na planta 1.ª.
Lateralmente à ponte, e na mesma praça, fica livre o espaço seguinte: no lado do nascente > menor largura entre a ponte e as casas: 6,5m; no lado poente > menor largura entre a ponte e as casas: 5,5m.
Vejamos agora o que sucede na margem esquerda: terreno disponível na margem esquerda: desde os pontos de suspensão, na margem esquerda, até às casas em Vila Nova há a distância : 60m. Terreno demandado para o estabelecimento da ponte: desde os referidos pontos de suspensão até à extremidade sul dos pedestais de atracamento : 66,2m. Terreno que falta na margem esquerda para o estabelecimento da ponte : 6,2m. Os quais 6,2 metros reduzidos à medida portuguesa produzem : palmos 28.
NB: Se se reduzir, como deve, a distância entre os pontos de suspensão de 223 metros a 220, conservando no mesmo local em que estão designados na planta aprovada os pilares da margem direita aproximando deles os da margem esquerda 3 metros, a fim de guardarem entre si a referida distância de 220 metros, então teremos, que o espaço que falta na margem esquerda, para o devido estabelecimento da ponte, se reduz a 3,2 metros, ou 14,5 palmos que se obterão expropriando as casas em frente à ponte, cuja expropriação não se eleva a mais de 6.000$000 rs.
A inspeção agora das plantas, especialmente da 1.ª, faz ver evidentemente onde está o erro. Em primeiro lugar os pilares de suspensão, que conforme a planta aprovada pelo governo, devem achar-se recolhidos da borda do cais tão somente 3 metros, estão a 7 do modo que o indica a empresa ABCD. Em segundo lugar, a distância dos pilares de suspensão aos pedestais de atracamento, que na planta aprovada pelo governo de sua majestade está marcada de 51,2 metros, na planta apresentada pela empresa foi aumentado até 55 metros. Destes dois erros resulta, que os pedestais de atracamento que deveriam, conforme as dimensões da planta aprovada, estabelecerem-se em EFGH e IKLM, como eu os designo, estão em GHNO e KMPQ, como a empresa os marca; e com esta alteração sem dúvida que restava um mui pequeno espaço para a circulação e passagem de pessoas e veículos que da rua de S. João pretendessem dirigir-se ao caminho que seguia ao lugar do cais, e dali para aquela rua. Mas claramente se vê que retificada a posição da ponte, e colocando-se os pedestais de atracamento em EFGH e IKLM, como deve ser, fica um espaço livre e desembaraçado para a circulação de 11 metros, que corresponde a 50 palmos; largura mais do que suficiente para as necessidades do trânsito.
Também as casas laterais da praça da Ribeira ficam bem desembaraçadas, e desafrontadas da ponte, pois como já disse, do lado do nascente há uma largura ou distância da ponte às casas é de 6,5 metros (29,5 palmos), e da parte do poente 5,5 metros (25 palmos proximamente). Além de que, esta porção da ponte, que é a sua rampa de subida e entrada, não tem grande altura sobre o terreno, e tanto menos o deve ter quanto é certo, que na planta 2.ª está indicado o mesmo terreno com uma declividade menor do que efetivamente tem.
Do lado de Vila Nova a expropriação não pode exceder 6.000$000, e se compreende no espaço que abrange menor largura do que a frente de 3 propriedades de casas, de não grande valor. Este espaço é indicado por HJLM.
margem gaiense
O fundo da expropriação é como já disse de 28 palmos, quando se dá entre os pilares de suspensão 223 metros, distância que dessa grandeza marquei na planta 2.ª por ser a que efetivamente medi na planta aprovada, mas eu creio pela verificação que fiz pelo cálculo, que a verdadeira distância, e a que concorda com as outras dimensões da ponte é de 220 metros, donde resulta que nesse caso a expropriação será menos 3 metros, no sentido do fundo das casas, e portanto se reduzirá a 14,5 palmos.
As linhas curvas G'H' e J'K' na planta 1.º indicam os muros da rampa de saída e entrada da ponte, em Vila Nova, e conhece-se evidentemente que todo o espaço entre essas linhas, e as casas é livre e desembaraçado para o trânsito.
Em definitivo, vê-se que o projeto aprovado pelo governo de sua majestade foi alterado pela empresa, já recolhendo mais para terra na margem direita os pilares de suspensão, já aumentando a distância deles aos pedestais de alinhamento, que por esta razão ficam também mais distantes da margem do que devia ser.
Eis aqui os resultados a que cheguei pelo exame o mais atento feito sobre as plantas. Não me contentei porém só desta inspeção; recorri também ao cálculo para verificar as diferentes grandezas que estão no projeto aprovado, deduzindo umas das outras, vendo quais eram as que se harmonizavam, e que competiam àquele projeto (...)
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(...) Enquanto à 2.ª [ponto do parecer], em que sustentei ser o 1.º projeto suscetível de algumas modificações sem ser preciso recorrer a um inteiramente diferente, parece-me que o simples bom senso o está demonstrando: trata-se de resgatar uns 30 palmos no fim da rua de S. João, para que o trânsito não seja dificultado, ora custa a acreditar, um projeto de ponte e destas dimensões, seja uma cousa de tal modo imutável em sua posição, de tal modo invariável em suas dimensões e partes componentes, que não sofra a mínima alteração, ou modificações que nos resgate uns 5 a 6 metros, numa extensão de construções que ocupam 349 metros! Na verdade, se assim fosse, a construção de pontes suspensas era sui generis especialíssima, ou achava-se muito atrasada.
As quantidades em grandezas que entram no projeto de uma ponte suspensa são suscetíveis de variar dentro de certos limites, podendo-se a priori estabelecer os valores de umas, e deduzir os valores correspondentes para outras, para que todas elas satisfaçam a certas condições dadas, sendo algumas destas condições determinadas pelas localidades.
lado portuense
Não obstante tudo isto, a empresa negou que seja possível modificar o 1.º projeto. Não é preciso ter muitos conhecimentos em pontes suspensas para reconhecer que isto não é exato. Não é crível que pequenas alterações nas disposições de uma ponte acarretem despesas enormes, a construções gigantescas como diz a empresa. Entramos numa pequena investigação. Introduzimos algumas modificações no 1.º projeto, e comparamos a tensão das cadeias em ambos os casos, por ser esta uma das grandezas mais importantes na disposição de uma ponte suspensa. (...) Daqui concluímos que o aumento da tensão, não obstante a diminuição da flecha, não é tal que traga um aumento considerável na despesa, sendo esse mesmo pequeno aumento equilibrado pela diminuição de 3,35 metros que se pode fazer na altura dos pilares de suspensão, e pela diminuição no comprimento das cadeias, podendo ganhar-se nesta segunda disposição, pelo que toca ao terreno, mais de 4 metros.
Isto é um exemplo trazido aqui sem mais desenvolvimento, porque só tende a mostrar, que se podem fazer certas modificações num projeto de ponte de modo que satisfaça a certas condições, e que essas modificações, se pequenas, também não lançam em despesas prodigiosas, o que aliás é evidente, mesmo sem recorrer ao cálculo.
Como a empresa há de responder sobre o meu parecer, vejo-me obrigado a ser mais extenso para prevenir certas objeções que a empresa poderá fazer, ainda que algumas delas em rigor não merecem muita atenção.
A empresa parece ligar ideia de grande despesa a se avançarem os pilares da margem direita um pouco mais para o rio. Mas é preciso que se advirta que aqueles pilares, que na planta 2.ª não estão completamente figurados, faltando-lhe a indicação de seus fundamentos, e embasamento, não hão de ser colocados sobre o cais como naquela planta parece ver-se. Os pilares, para a devida solidez da obra, devem necessariamente criar-se desde o terreno firme, para que, ainda mesmo quando o cais estivesse em bom estado, ele não é suscetível, como todos, se não, ali(?) sofrer certa carga determinada, e não construções a cujo peso se não atender, quando mais que aquele cais se acha arruinado desde 1824, se a memória me não falha, tendo sido fortificado exteriormente para que não desabasse, por um reforço de pedra lançada a fundo perdido. É evidente portanto a necessidade de apoiar aquela porção de cais, para criar a obra desde terreno firme: o maciço de pedra que ali se acha convenientemente arrasado, e preparado, pode-se apropriar otimamente de modo que ofereça uma base sólida para a construção, e que sirva para os fundamentos da obra. E como esse maciço se estende em frente do cais, e em continuação do alicerce do mesmo, tanta dificuldade se sentia em construir os pilares nos pontos em que se acham marcados, como em outros um pouco mais avançados para o rio. Também se disse que no projeto aprovado pelo governo não fazia comunicação do lado do cais da alfândega para o lado dos guardas, o que não é verdadeiro: basta a simples inspeção da planta 2.ª para ver, que no espaço y't', compreendido entre os pilares e o dormente(?) da ponte, tem suficiente extensão para por baixo daquela porção da mesma ponte passarem indivíduos, carros, ou outros quaisquer veículos.
Passarei agora à 3.ª parte deste parecer e na qual me ocupo dos inconvenientes do 2.º projeto em relação ao primeiro, e das vantagens decididas deste a todos os respeitos.
O rio Douro, caudal e arrebatado em seu curso, é sujeito a grandes enchentes, com correntes fortíssimas, e muito variáveis, fazendo até redemoinhos formidáveis, especialmente na ocasião das maiores cheias. Com a massa considerável das suas águas, e pela declividade do seu leito produz, grande erosão nas margens e fundo. O álveo é pela maior parte do terreno de aluviões; sendo verdadeiramente junto ao Porto, seu leito natural as massas de granito que o circundam por toda a parte, e que constituem a rocha sobre que cobre, mas sobre esta rocha, e leito natural se oferecem camadas mais ou menos espessas de detritos da mesma rocha, e dos depósitos que o rio acarreta de distância, ou que forma nos lugares pela corrosão das margens. Estas camadas constituem um fundo móvel, e variável, sempre disposto a obedecer à ação das águas. É isto mesmo o que os factos justificam; que bem poucos são os lugares em que no Douro, junto ao Porto, se encontra permanência de fundo: a maior ou menor abundância de águas que o rio leva fazem sentir alterações, as mesmas marés as ocasionam, e até a ancoragem das embarcações produz fundões, mais ou menos consideráveis.
Mas todas estas variações aumentam de ponto por ocasião de uma grande cheia, que faz alterar o regimen do rio o mais possível, já formando baixos onde não havia, já produzindo fundões em outros lugares, e correndo o fundo de sorte, que põem a nu a rocha em algumas partes, lavando e desfazendo completamente a camada de terrenos de aluvião que a cobria.
Se tais factos são certos, como o podem abonar todos os práticos do Douro, como não se julgará exposto à ruína, e perigo de segurança, um pilar no meio do rio, embora executado com todas as precauções da arte? O ímpeto das cheias, e a variedade das correntes atacariam aquela obra em todos os sentidos, que exposta assim no meio do rio ao furor de tal ação não ofereceria a garantia de uma duração que se possa contar por séculos, como se exige em tais obras. Se os cais construídos nas margens do rio, encontrados e ligados ao terreno, sofrem imenso daquela ação, muito mais sofrerá aquela obra, mais exposta pela sua localidade e evolução(?), e onde uma ação mais poderosa se empregará.
Ainda mesmo, repetimos, que aquele pé direito fosse construído com todo o esmero da arte, formando um maciço perfeito, quem afiançará que o terreno móvel, e pouco firme em que se há de ajuntar se não escavará, e que, falto de apoio pela sua raiz, aquela construção se não há de precipitar.
Na localidade em que se pretende construir aquela obra o fundo é da areia e saibro, e ainda mesmo quando se provasse que naquele lugar esse fundo é atualmente constante, resta provar que o continuará a ser depois de executada a obra. É opinião da contestada, que tais obras produzem sempre uma alteração no regimen dos rios, fazem mudar a corrente em direção e intensidade, e originam escavações ou areamentos em certos lugares. No caso de que se trata, receio que um pilar no meio do rio, que em consequência da base que deverá ocupar, pelos taludes com que será fortificado, se estenderá através do mesmo rio obra de 140 palmos, produza na sua parte anterior uma escavação, e na sua parte posterior um baixo; comprometendo o primeiro efeito a segurança da obra, e o segundo a facilidade da navegação, uma vez que se prolonga esse baixo, como é possível que aconteça, até uma das margens. Aquela construção fazendo o efeito de um estreitamento no rio há de apresentar os mesmos resultados que são comuns a todos os estreitamentos, que é a maior erosão no fundo e margens, ora podendo elas ser desigualmente corrosiveis, a corrente se determinará para aquele canal, ou margem onde menos resistência encontrar, o que produzirá o areamento do outro canal, e demais seguir-se-á serem grandemente atacadas as obras que se acharem construídas nessa margem, para onde se determinar e encostar a corrente com toda a força.
Todos estes efeitos estão plenamente provados nas obras sobre as correntes dos rios; nem em Eytelwein, Smeaton, Bossut, Fabre, Giuarel(?) e Deschamps tenho encontrado cousa em contrário. (...) Pela represa que os pilares das pontes fazem nas águas, principalmente quando se não dá a devida abertura aos arcos, se têm manifestado muitas vezes grandes escavações junto a seus pés direitos, o que tem ocasionado a ruína de muitas pontes.
João Crisóstemo de Abreu e Sousa, no outono da vida
Estes efeitos se principalmente se fazem sentir em rios caudalosos, rápidos, de fundo corrosível, e sujeitos a grandes cheias, circunstâncias que todas concorrem em máximo no Douro.
Os pilares das pontes fazem também o efeito de estreitamentos, produzem a corrosão do fundo, e das margens até uma certa distância, no abaixo e acima, e algumas vezes têm posto em risco obras construídas nessas margens.
(...) Todas as razões que se têm exposto são mais do que suficientes para dar as preferências ao primeiro projeto da ponte suspensa sobre o Douro, mas ainda acrescentarei, que as pontes suspensas de um só e maior arco, são preferíveis às de menores arcos, por sofrerem menos do que os segundos dos movimentos de vibração, e de oscilação a que são expostas estas construções, de modo que em regra geral, tanto maior é o arco, tanto maior são as vantagens que se obtêm na execução destas pontes.
A beleza de uma obra que deve durar séculos, decorar uma grande cidade tendo-na(?) por ser(?) padrão artístico e histórico de uma época, que deve demais ser paga pelo povo durante muitos anos é objeto atendível, conquanto não seja essencial. Mas se a todos os outros respeitos o projeto aprovado pelo governo de sua majestade leva a superioridade ao 2.º, também a este respeito tem a primazia. A ponte como está traçada no projeto aprovado é muito mais bela, e inculco mais arrojada, do que a segunda.
Se as pontes devem ser monumentos de um estilo severo e simples, é preferível, pelo lado do gosto, um projeto que mais satisfaça a essas condições. Ora, posto que as pontes de ferro geralmente não tenham o cunho de grandioso que se patenteia nas grandes pontes de pedra, contudo as pontes suspensas são belas pelo arrojo da execução, quando em só dous pontos de suspensão se estriba uma grande distância: mas se em(?) ajuda [de?] um arco empregarmos dous ou mais, com os seus competentes pés direitos, a ponte amesquinha-se, e não produz admiração, nem o efeito tão agradável como o que sentimos quando descobrimos uma grande dificuldade vencida.
Parece-me haver demonstrado os três pontos do meu parecer, isto é:
1.º Que o projeto aprovado pelo governo de sua majestade é exequível em sua integridade, sem os inconvenientes que se lhe atribuíam;
2.º Que quando mesmo, para satisfazer a qualquer conveniência, se não quisesse executar aquele projeto em todo o rigor, ele é suscetível de modificação que o tornam adaptável no terreno, sem cair em inconveniente algum.
3.º Que o projeto aprovado pelo governo de sua majestade tem decididas vantagens sobre o segundo que a empresa oferece, sem partilhar nenhum um dos inconvenientes que nele se encontram.
De todo o exposto, concluo, que não há razão para se alterar o projeto a que a empresa está ligada, e que o governo de sua majestade já aprovou.
Direi enfim, que o 2.º projeto não apresenta nenhuma conveniência pública que o torne preferível: é só proveitoso à empresa que na sua execução fará menor despesa do que com o 1.º projeto.
E como neste assunto só pretendo que se chegue ao melhor resultado, rematarei pedindo, que a opinião da empresa e a minha sejam submetidas ao exame de pessoas competentes, se tanto for preciso para satisfazer a mesma empresa. O governo de sua majestade, que sem dúvida há de nomear comissários para fiscalizar este contrato, a eles, ou à distinta Comissão de Obras Públicas que acaba de nomear, ou enfim a quem o julgar conveniente, poderá mandar apresentar as duas opiniões, para serem examinadas devidamente.
Porto, 7 de setembro de 1839
João Crisóstomo de Abreu e Sousa
Tenente do Corpo de Engenheiros servindo na Inspeção das Obras Públicas da Direção do Norte(7)
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Caro leitor, espero que tenha apreciado a leitura deste documento, que ainda que transcrito em forma parcial, já muito extensa tornou esta publicação. O que se passou a seguir é de uma forma geral conhecido dos interessados: a contestação à construção de uma ponte naquele local manteve-se. E só posteriormente se veio a optar pelo sítio em que a ponte foi efetivamente construida. Também ela contestada, quer pelos transeuntes que se viam na obrigação de gastar tempo e solas em ir quase a uma ponta da cidade, para atravessar para sul (certamente seriam apoiantes da ponte caso fosse construída na praça da Ribeira), assim como dos barqueiros que se queixavam da câmara ser mais amiga dos concessionários da ponte, do que deles.
Finalizo com uma planta abaixo apresentada, dos manuscritos de Sousa Reis, que nos remete para a ideia original da construção de uma ponte com um pilar a meio do rio. Proposta de 1826, de um promotor morador em Lisboa chamado Abel Dagge. Com ou sem pilar, uma ponte que atravessasse o rio desde a praça da Ribeira até ao largo Miguel Bombarda em Gaia, seria mais grandiosa do que a que efetivamente existiu.
Voltando aos dois projetos da empresa de Lucotte, se o primeiro, o aprovado pelo governo, seria efetivamente funcional, só um estudo aprofundado de um engenheiro interessado pelo passado poderá dizer (fica lançado o mote!).
E para quem quiser saber um pouco mais sobre a ponte efetivamente construída, este projeto e outras pontes suspensas, poderá aproveitar uma visita a esta página.
Viriato
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1 - Para uma boa biografia sobre este cavalheiro, ver aqui, ou aqui.
2 - O texto vai com a ortografia atualizada, e não respeita os parágrafos do autor, por forma a tornar a leitura mais fluída.
3 - As plantas em discussão são as que aqui se apresentam.
4 e 5 - Palavra incompreensível.
6 - João Crisóstomo usou metros, em detrimento das medidas nacionais, certamente por serem de origem francesa os planos da ponte. Em Portugal o sistema métrico seria oficializado definitivamente em 1 de janeiro de 1860 (ver mais aqui).
7 - No original, T.e d Corpo de Eng.ros serv. na Insp.ão das Obr.s P. da Div. do N.te.
(última publicação d' A Porta Nobre, a 17-09-2021)