Quando pesquisava no Arquivo Distrital do Porto, documentação sobre uma quinta gaiense propriedade dos dominicanos, deparei com um alvará régio, em meu entender bastante revelador da índole humana. Questiono realmente se os tempos que vivemos serão assim tão diferentes dos esboçados nas linhas que se poderão ler abaixo. Não estarão os descendentes destes oligarcas ainda bem presentes no nosso país, sob a forma de dinossauros políticos, dirigentes desportivos, ou gestores de bancos e de grandes empresas?
«Eu el rei faço saber aos que este meu alvará de lei virem que eu fui servido expedir ao conselho da minha fazenda por meu real decreto de 19 de junho próximo passado deste presente ano [1744] que sendo-me presente a grande diminuição e abatimento em que estava o rendimento das terças dos concelhos destes reinos, e aplicado aos reparos dos muros, castelos e mais cousas necessárias à defesa deles, assim pela má administração que os oficiais das câmaras fazem dos bens e rendas deles, alheando-os nula e injustamente contra o seu regimento e alvará de 5 de fevereiro de 1578 e arrendando-os por diminutos preços a pessoas poderosas parentes, e amigos dos mesmos oficiais, e tomando para si por entrepostas pessoas, e ainda sonegando a verdadeira renda que partem entre si a título de propinas, que lhes não são concedidas, nem fazendo as condenações e coimas nos varejos, e corridas que devem fazer, e também os almotaceis por bem de seus regimentos; e ainda sonegando repartindo entre si e seus oficiais as que fazem, devendo lançá-las em livros e todos os mais rendimentos dos concelhos para por eles tomarem contas os provedores, e saberem o que os concelhos tem de renda e se averiguar o que pertença à terça na forma ordenada no alvará de 17 de novembro de 1571 como também pelos ditos provedores não cumprirem com a obrigação que têm de tomarem com exação devida as ditas contas, nem tirarem as devassas que devem conforme o alvará de 26 de setembro de 1608 nem fazerem os tombos dos bens do concelho e mais diligências ordenadas no dito alvará de 5 de fevereiro de 1578 nem também os corregedores das comarcas se portarem com a arrecadação que devem nas penas da chancelaria pertencentes aos concelhos, e às ditas terças na forma estabelecida pela ordenação do livro primeiro título 61 parágrafo 3.º e seguintes fazendo lançar em livro todas as penas que se deverem de que não podem relevar os culpados como se declara no parágrafo 9 da mesma ordenação em fraude da parte que das ditas condenações pertence ao rendimento das terças como também das mais penas das posturas da câmara e coimas da almotaçaria em que não há pessoa alguma privilegiada na forma declarada na lei do reino, e ampliada pela extravagante de 23 de outubro de 1604 confirmada pela outra de 6 de agosto de 1642 e para se evitarem todas as referidas desordens de que resultam graves e irreparáveis danos ao bom governo dos povos e guarda dos frutos com grande detrimento das justiças dos concelhos e das terras, de que não pode haver privilégio, nem doação que válida seja como se declara do livro 2.º título 28 parágrafo 2.º e 3.º. (...)»
(o sublinhado é meu)
Ao ler estas linhas senti sobretudo tristeza. O texto reporta ao mundo do imensamente rico D. João V. Mas estaria esta sociedade tão distante assim do presente? Refletindo constato que não, na verdade. E vai continuar a não estar.
Viriato
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FONTE: Resumo das coleções primeira, segunda e terceira, do cartório do convento de São Domingos do Porto.
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