O convento dominicano do Porto (ou melhor, o primeiro convento dominicano do Porto, uma vez que um outro existe desde 1952), casa multissecular, atravessou vários períodos da vida do país, desde que em 1238 foi fundado. Decrépito de décadas, foi o governo provisório do regente D. Pedro que, em 1832, lhe desferiu o golpe de misericórdia. Finou-se em Outubro desse mesmo ano, quando as folhas caíam... e as balas também.
Já depois do seu fim, mas ainda antes do decreto de 15 de maio de 1833 que o oficializava, a Comissão Administrativa dos Conventos Abandonados intimou os frades resistentes - que agora viviam extra claustros - a responder a um conjunto de questões. da análise das suas respostas, datada de 3 de Janeiro de 1833, ressaltam alguns pormenores interessantes que, quando cruzados com os acontecimentos político-sociais da época por um historiador disposto a fazê-lo, certamente trarão algum colorido à austera elencagem dos factos (o "fazer a história", devendo ser o mais verdadeiro e rigoroso possível, nem por isso necessita de ser cinzento).
A carta divide-se em cinco pontos. No primeiro são referidos os padres assinados no convento de S. Domingos, à entrada do Exército Libertador. Começa pelo prior da casa, Fr. Manuel Joaquim de St.ª Ana, residente quase sempre com a sua família, assinado no convento de Guimarães; segue-se Fr. Joaquim José de St.ª Gertrudes Escadinha, a ares em Avintes muito antes da chegada de D. Pedro(a); Fr. José de St.º António Alves que se retirou na mesma data; Fr. António de S. Joaquim de Almeida, que também saíndo do convento à entrada do exército, foi poucos dias depois preso e colocado de novo nele até à ordem final de despejo e ainda vivia no Porto; Fr. Joaquim de Almeida, em casa de seus parentes bem antes da entrada de D. Pedro; Fr. João Pinto de Queirós, prior em Guimarães; Fr. Francisco de St.º Tomás, primeiro reitor no colégio de Stº Tomás em Coimbra; Fr. José Peixoto, prior no convento de S. Domingos em Aveiro; Fr. Alexandre de Magalhães, vivendo com licença em casa dos seus parentes, muito antes da chegada de D. Pedro; Fr. José de Matos, na mesma situação do anterior; Fr. António de Cerqueira Lima, síndico no convento de Ancede(b) e Fr. António Pinheiro, no convento à entrada do exército, mas que depois se retirou(c).
início da resposta dos conventuais |
Passa a carta a referir os seus rendimentos, que provinham da própria cerca do convento, da quinta da Fonte da Vinha (brévia dos dominicanos situada em Oliveira do Douro), arrendamento de armazéns, lojas, casa do Banco e outras; foros, pensões, legados, juros da Companhia(d), juros do convento de Ancede e do Erário(e), alças da Câmara e da cadeira e sermões da Sé... Tudo isto valeria, segundo contas do último priorado, cerca de treze contos e seiscentos mil reis.
No quarto ponto é referida a mobília do convento. Começa por informar que já não existiam quaisquer pratas. Refere depois que as mesas, carteiras, leitos, enxergões, roupas, e painéis de excelentes pinturas, teria levado em parte extravio na entrada e saída do batalhão 3 de Caçadores(f). O resto, dizem, estava entregue à comissão por portaria de Outubro ou havia-se queimado no incêndio. E quanto à mobília de sacristia, e alguma prata que havia, «a comissão que tomou conta responderá por isso». Será esta última menção, uma velada desconfiança dirigida à dita comissão?
Termina a carta no último ponto, passando os olhos até mesmo pela mobília particular. Mas aqui, ela é ainda mais sucinta: quando foram intimados para despejar o convento e entregá-lo ao administrador da alfândega por portaria datada de 2 de Outubro de 1832, cada um dos seus habitantes tomara conta do que era seu.
A carta termina com as assinaturas de cinco dos últimos frades do convento: Fr. Domingos de Mesquita, Fr. João Batista Pinto, Fr. Bernardino Peixoto, Fr. António de St.º Tomás Sousa e Fr. Cornélio Vicente Odea»
Viriato
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a) 9 de Julho de 1832.
b) O convento de Ancede, dominicano desde 1540, era anexo ao convento de S. Domingos de Lisboa.
c) Curiosa, pelo menos a meus olhos, a presença do prior vimaranense e aveirense na casa do Porto, sobretudo com a ausência do... portuense! Que peripécias estarão por trás destas presenças e ausências?
d) Companhia dos Vinhos do Alto Douro.
e) Possivelmente dinheiro emprestado a juro.
f) O que ocupou o convento na segunda metade do século XIX (?).
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